A arte contemporânea tem como uma de suas marcas a ruptura com as convenções tradicionais. Nesse cenário, a performance se destaca como uma linguagem poderosa, pois coloca o corpo em primeiro plano — não apenas como meio expressivo, mas também como instrumento de resistência e questionamento político.
Entre gestos efêmeros e ações radicais, artistas de performance desafiam estruturas de poder, expõem violências sociais e provocam o público a repensar a política do corpo. Dessa forma, a presença física do artista se transforma em discurso vivo, tornando a arte um espaço de confronto e transformação.
A Performance como Linguagem Política
Desde os anos 1960, a performance artística tem se consolidado como uma prática que ultrapassa os limites da arte institucional. Artistas como Marina Abramović, Yoko Ono e Ana Mendieta usaram seus próprios corpos como território de resistência, experimentando dor, silêncio, nudez e repetição como formas de crítica social.
Marina Abramović, em The Artist is Present (2010), realizou uma ação silenciosa de mais de 700 horas no MoMA. Seu corpo imóvel diante do público criou uma tensão quase espiritual, desafiando a passividade do espectador e questionando os limites entre artista, obra e sociedade. O corpo, aqui, não é símbolo: é o próprio campo de batalha.
A cubana Ana Mendieta, por sua vez, fundiu corpo e natureza em performances que denunciavam violência, colonização e identidade. Em sua série Silueta, Mendieta moldava sua forma no solo ou na lama, como se desaparecesse para reaparecer como denúncia. Segundo a pesquisadora Amelia Jones, em Body Art: Performing the Subject, essas práticas revelam como “o corpo se torna um local onde disputas sociais e políticas são encenadas” (Jones, 1998).
Corpo, Identidade e Resistência na Arte Contemporânea
Na arte contemporânea, o corpo performático assume papel central em debates sobre gênero, raça, sexualidade e territorialidade. Dessa maneira, a performance permite visibilizar corpos historicamente marginalizados e reivindicar espaços de existência, memória e expressão.

A artista brasileira Ventura Profana, por exemplo, articula performance, fé, erotismo e política para discutir o apagamento de corpos negros e trans na cultura brasileira. Já o coletivo indígena MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin) realiza intervenções performáticas que misturam canto, pintura corporal e resistência territorial.
Essas práticas não estão isoladas. Atualmente, instituições de prestígio como o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e o Tate Modern têm dedicado espaço à performance como linguagem crítica, promovendo ciclos curatoriais que evidenciam o corpo como agente político.
Além disso, o crescimento das redes sociais e plataformas digitais amplificou a circulação dessas ações. Performances registradas em vídeo ou transmitidas ao vivo atingem públicos antes inacessíveis, reforçando o potencial político da arte efêmera.
A Arte como Forma de Insurgência
A performance na arte contemporânea não busca apenas representar. Ela intervém, incita e incomoda. O corpo em ação é também o corpo em risco: sujeito à vulnerabilidade, ao julgamento, à repressão. Mas é justamente aí que reside sua potência — na recusa de ser apenas objeto, na afirmação da própria presença como resistência.
Como afirma Claire Bishop, no livro Artificial Hells: Participatory Art and the Politics of Spectatorship, a arte performática exige um novo tipo de espectador, alguém disposto a “entrar em zonas de instabilidade” (Bishop, 2012). Nessa instabilidade, o corpo do artista e o olhar do público se encontram, e é desse encontro que pode surgir a transformação política.